Startups de biotecnologia investem no desenvolvimento da técnica, mas conflitos éticos podem limitar o tema
Desde que um artigo da revista Nature relatou a formação do primeiro embrião sintético no mundo, usando células não-reprodutivas para criar a chamada gametogênese in vitro, muitos cientistas começaram a aventar a possibilidade de uma revolução no campo dos tratamentos de infertilidade.
“Essa abordagem vai muito além da fertilização in vitro, que combina óvulo e esperma em laboratório, porque não requer óvulos ou espermatozoides naturais. A produção de gametas acontece fora do corpo, com células não reprodutivas, como as da pele ou do sangue. Chamada de gametogênese in vitro, ou IVG, a técnica promete um dia fornecer a cura para muitos tipos de infertilidade, retardar ou até mesmo desligar os relógios biológicos e permitir uma melhor seleção de embriões”, explica Rodrigo Rosa, especialista em reprodução humana e sócio do Mater Lab.
Mas será que o futuro da reprodução humana pode incluir esse tipo de gravidez com embriões sintéticos?
Na técnica, ainda em teste, os pesquisadores que estão tentando cultivar essas células por meio de IVG, têm por objetivo reprogramar células sanguíneas, doadas com consentimento para pesquisa embrionária, para transformá-las em células-tronco, que podem assumir o papel de qualquer tipo de célula do corpo.
“As células-tronco são então programadas em células germinativas primordiais, as precursoras dos óvulos. Essas células germinativas são colocadas em pratos com células auxiliares cultivadas em laboratório, que recriam o ambiente ovariano e são conhecidas coletivamente como organoides ovarianos. A esperança é que essas células auxiliares enviem os sinais necessários para persuadir as células germinativas em seu desenvolvimento em óvulos maduros capazes de serem fertilizados”, diz o médico.
“Os pesquisadores usam uma variedade de técnicas, como o sequenciamento de RNA, para garantir que as células feitas em laboratório expressem os mesmos genes que expressariam em um estágio semelhante no útero e que estão formando o que chamamos de folículos, as estruturas no ovário em que os óvulos imaturos se desenvolvem”, acrescenta o médico.
Segundo o especialista, se os óvulos humanos maduros pudessem ser derivados das células da pele de uma pessoa, isso evitaria a maior parte do custo, quase todo o desconforto e todo o risco da fertilização in vitro. Poderia ajudar, também, em casos de fertilidade tardia – já que a idade é uma bomba relógio e prejudica a fertilidade feminina.
“O tempo é implacável não só na quantidade de óvulos, mas também na qualidade deles. Essa queda da fertilidade acontece a partir dos 30 anos, mas a partir dos 35 anos é uma queda muito mais acentuada, sendo que a incidência de infertilidade conjugal acomete um em cada sete casais com faixa etária por volta dos 35 anos. E passa a ser de um a cada dois casais aos 41 anos de idade. Então realmente é uma incidência que sobe exponencialmente a partir dos 35 anos”, diz Rodrigo.
Mas esse futuro não deve estar muito próximo. “A tecnologia para fazer bebês a partir de outras células além de óvulos e espermatozoides ainda está a uma década de distância ou mais. Mesmo que possamos obter células reprodutivas humanas em cultura, precisamos avaliar cuidadosamente a qualidade dos óvulos, porque mesmo nos camundongos a maioria deles não é potente o suficiente para se desenvolver em um bebê. Os que se desenvolveram até esse ponto tornaram-se camundongos saudáveis e capazes de ter seus próprios filhotes e netos. Mas os conflitos éticos podem limitar a sua aplicação em humanos”, projeta Rodrigo.
Antes que a ciência transforme a possibilidade em realidade, agora é um bom momento para o público considerar as implicações do IVG.
Quando o pesquisador japonês Katsuhiko Hayashi mostrou que pode transformar células da pele de camundongos machos adultos em óvulos saudáveis, ele previu eventualmente usar essa abordagem para tratar a infertilidade em pessoas que têm cromossomos sexuais extras, como XXY ou XYY, em comparação com o típico XX para mulheres e XY para homens.
Isso também poderia permitir que casais do mesmo sexo tivessem um filho biologicamente relacionado a ambos os pais. A técnica não serve apenas para humanos: em animais, o IVG pode ser usado para conservar espécies em perigo de extinção.
Mas, existem questões em aberto: o IVG poderia ser considerado seguro em humanos? Quantos embriões teriam que ser sacrificados no processo? Embora a ciência possa ser movida pela curiosidade, ela também pode ser usada para ganhar dinheiro com pessoas desesperadas para continuar sua linhagem biológica ou apenas dispostas a pagar pela prole de sua escolha.
“As questões éticas também envolvem o espectro de idosos de 90 anos tendo filhos dessa maneira, ou bebês tendo bebês, ou usando o DNA de pessoas mortas há muito tempo”, diz o médico.
Os futuristas especulam sobre possibilidades mais amplas, como um embrião formado com o DNA de quatro pessoas em vez de duas, ou mesmo o chamado “unibaby”, resultado de uma pessoa se reproduzindo consigo mesma. A técnica também pode enfrentar barreiras regulatórias por parte dos países.
Por enquanto, o melhor a fazer é preservar por meio do congelamento, se você achar que ainda não está na idade de ter um filho ou estiver com alguma doença que afete o sistema reprodutivo, ou buscar auxílio de médicos especialistas em Reprodução Humana.
“Apesar das limitações, a FIV (fertilização in vitro) é um tratamento seguro e que permitiu a milhões de casais terem um filho”, finaliza Rodrigo.
No momento da inteligência artificial, este procedimento biotecnológico, vem na hora certa.