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Os novos tratamentos que prometem curar fetos na barriga da mãe

A quarta gravidez de Michelle Johnson caminhava sem problemas, até que o especialista começou a ficar levemente tenso enquanto cutucava sua barriga para o ultrassom de rotina, na 20ª semana de gestação.

Imagem: Reprodução

Johnson relembra que o responsável pela ultrassonografia ficou "muito incomodado" e começou a fazer perguntas aleatórias – como se eles já tinham filhos, por exemplo.

Dias depois, veio a ligação do radiologista-chefe. Seu tom de voz era sombrio.

Escolhendo com cuidado as palavras, ele disse que, na sua experiência, aquilo era algo raro, mas Johnson precisava consultar imediatamente um especialista em medicina fetal gestacional, pois a criança tinha espinha bífida.

A medula espinhal começa a se desenvolver nas crianças como um tubo em forma de cannoli, que se dobra sobre si mesmo para encapsular o sistema nervoso. E a espinha bífida – conhecida cientificamente como mielomeningocele – ocorre quando a medula espinhal não se fecha completamente.

Com isso, ela permite que a autoestrada formada pelos nervos escape e forme uma pequena saliência em algum lugar ao longo da espinha. E esta má-formação do sistema nervoso pode gerar problemas cognitivos por toda a vida, além de dificuldades crônicas de mobilidade e paralisia dos quadris para baixo.

"Foi simplesmente devastador", conta Johnson. Na época, ela tinha 35 anos de idade e morava em Portland, no Estado americano de Oregon. "Fiquei totalmente em choque."

Todos os anos, nascem cerca de 1,4 mil bebês com espinha bífida nos Estados Unidos. A causa exata desta complexa condição não é conhecida, mas acredita-se que ela envolva uma combinação de fatores genéticos e ambientais.

Baixos níveis de ingestão de ácido fólico durante a gravidez ou certas medicações contra convulsão, por exemplo, foram associados ao maior risco da condição, mas não está claro o nível de influência destes fatores.

A espinha bífida normalmente é tratada em 24 a 48 horas após o parto. Os cirurgiões costuram a medula espinhal e a colocam de volta no corpo do bebê. Com isso, eles evitam que a condição se degenere ainda mais.

Mas, enquanto fazia ligações para marcar a consulta com um especialista, uma enfermeira contou a Johnson sobre um novo programa em prática na Califórnia, que usa células-tronco para tratar crianças com espinha bífida ainda no útero da mãe. E, se ela decidisse pelo procedimento, seu bebê seria o segundo paciente humano a passar por este tipo de tratamento.

Johnson percebeu que gostaria de oferecer esta possibilidade ao seu bebê antes de nascer

O procedimento precisa ser realizado antes da 26ª semana de gravidez. Por isso, "era como uma corrida", relembra ela.

Depois de diversos exames de imagem e de sangue, além de várias entrevistas, ela embarcou na viagem mais importante da sua vida.

O exame pré-natal das condições neurológicas progrediu em largas passadas nas últimas duas décadas.

Tecnologias como a análise genética, neuroimagens e ressonância magnética fetal em alta resolução vêm permitindo aos médicos pesquisarem o sistema nervoso dos fetos em desenvolvimento e já diagnosticá-los, mais cedo e com mais frequência, com eventuais condições que irão alterar sua vida depois do parto.

Mas, mesmo com todos estes avanços, não havia muito que os médicos pudessem fazer com estes diagnósticos antes que o bebê saísse do útero. E uma parte significativa do desenvolvimento cerebral ocorre muito antes do parto.

Agora, uma onda pioneira de terapias neurocientíficas no útero está ajudando a mudar esta situação.

A 'próxima fronteira'

Diversos testes de referência estão em andamento para analisar tratamentos médicos e cirúrgicos que irão permitir aos médicos reverter as condições dos bebês antes do parto.

Este campo está "à beira" de encontrar toda uma nova dimensão de terapias, afirma o neurologista pediátrico Jeffrey Russ, da Universidade Duke, nos Estados Unidos. Ele escreveu recentemente um ensaio acadêmico que descreve o tratamento no útero como a "próxima fronteira" da neurologia.

Um desses tratamentos inovadores é o primeiro teste clínico aprovado pela Administração de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) para o tratamento de espinha bífida no útero com células-tronco da placenta.

Conhecido como teste CuRe, o projeto marca o ápice de 25 anos de trabalho da cirurgiã fetal Diana Lee Farmer, da Universidade da Califórnia em Davis, nos Estados Unidos.

As operações no útero para costura da abertura da medula espinhal passaram a ser o tratamento padrão dos casos de espinha bífida muito grave. Elas reduzem a velocidade de degeneração da doença ao longo da gravidez e apresentam resultados melhores que a cirurgia depois do parto, segundo indicam os anos de trabalho de Farmer.

Mas seu novo projeto pretende dar mais um passo adiante

O processo consiste na correção do tubo neural aberto com um emplastro semeado com células-tronco da placenta da mãe. Conhecidas como "células estromais mesenquimais", elas são derivadas e cultivadas em um processo cuidadoso e preciso de quatro dias. Com isso, as células deverão ser ativadas e reverter a lesão já existente no momento do diagnóstico.

As células-tronco "são muito inteligentes", segundo o bioengenheiro Aijun Wang, que desenvolveu a tecnologia do teste CuRe. "Elas conseguem proteger os neurônios para que não sejam mortos pelo ambiente."

Dados preliminares da condução deste experimento em cordeiros com espinha bífida sugerem que o tratamento permitiu que eles se desenvolvessem sem nenhuma incapacidade observável. Sem o tratamento, eles teriam sofrido paralisia dos membros posteriores. E o mesmo foi observado com o procedimento em buldogues.

Mais de 30 pessoas estavam na sala de cirurgia quando Johnson, apenas um dia antes do limite de 26 semanas de gravidez, passou a ser a segunda paciente humana a enfrentar esta cirurgia.

Os médicos fizeram uma incisão na sua barriga redonda, retiraram o útero do corpo quase totalmente e moveram o feto até a abertura do útero.

Este procedimento permitiu que os médicos atingissem a hérnia da minúscula espinha do bebê e, delicadamente, aplicassem o emplastro com células-tronco. Eles usaram microscópios especiais para realizar a cirurgia, devido ao tamanho do bebê.

A criança era um menino, que receberia o nome de Tobias. Se ele não tivesse passado pelo tratamento, teria nascido com paralisia dos quadris para baixo.No dia 1º de fevereiro de 2022, Tobias nasceu de cesariana com 3,5 kg. Suas pernas chutavam e os dedos dos pés se mexiam.

"Sentimos que havíamos ganhado na loteria", relembra Johnson

Tobias precisará ser acompanhado até completar dois anos e meio de idade, para determinar oficialmente a segurança e eficácia total do procedimento e, assim, completar o experimento.

Sua última consulta presencial já está próxima e os médicos provavelmente continuarão a acompanhá-lo até que ele complete, pelo menos, cinco anos.

No momento de fechar esta reportagem, 10 outros pacientes já receberam o tratamento CuRe e a equipe de Farmer garantiu US$ 15 milhões (cerca de R$ 81 milhões) de financiamento para mais 29 pacientes. A esperança é inscrever cerca de 10 pacientes por ano.

A equipe de Farmer conseguirá analisar todos os dados coletados somente em 2028, quando será então possível confirmar se esta nova terapia pode passar a ser o padrão para as crianças norte-americanas.

"Tenho esperança de podermos conseguir fazer um avanço muito significativo para o desenvolvimento dessas crianças com espinha bífida", afirma Farmer. "Mas, como todo bom projeto científico, você responde uma pergunta e ela abre as portas para outra questão."

Texto completo em: BBC

Comentário CCB:

A Biotecnologia trazendo qualidade de vida aos pacientes antes do nascimento.

Fonte: bbc | Sofia Quaglia

Publicado em: 19 de agosto de 2024 às 14:08.
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